27 de junho de 2011

Foque nos usuários, não nas funcionalidades

Num passado não muito distante, um certo nicho de mercado precisou atender a uma exigência do seu órgão regulador: determinadas guias que eram preenchidas à mão precisariam passar a ser preenchidas no computador, para que fossem enviadas eletronicamente a seus destinatários. Os gestores da empresa de TI onde eu trabalhava viram nessa exigência uma oportunidade. Então, junto com uma equipe, fui encarregado de desenvolver um software que permitisse àquelas empresas atenderem a sua nova necessidade. Havia alguns concorrentes e o nosso software precisava, de alguma forma, se destacar entre eles. O resultado foi atingido e o software foi um sucesso! O que fizemos? *

Avaliação dos concorrentes

Não tenho receio algum de admitir que avaliamos as soluções de vários concorrentes. Tivemos que comprar algumas delas, inclusive. Nessa avaliação, percebemos que as soluções existentes focalizavam sempre a mesma coisa: as funcionalidades. Elas atendiam ao que era imprescindível, mas não faziam isso de forma eficaz. Os softwares concorrentes eram complicados e, em muitos casos, preencher as guias nesses softwares chegava a ser mais demorado do que fazer isso em papel.

Foco nos usuários

Não havia espaço para inventarmos funcionalidades como diferencial. O que tinha que ser feito estava claro: receber do usuário os dados das guias, permitir sua impressão e exportá-las para um formato específico. Qualquer funcionalidade adicional seria, perdão pelo termo, encheção de linguiça. O que tínhamos que fazer para que nosso software se destacasse era simples: proporcionar ao usuário a melhor experiência de uso possível.

Como 99% do tempo de uso do software era o preenchimento de guias (que chegavam a ter mais de 100 campos e, em alguns casos, somavam milhares de unidades ao mês), nosso maior esforço tinha que ser concentrado nelas. Os recursos que implementamos provavelmente não vão te surpreender, mas surpreenderam os usuários. Os principais foram:

  • Os formulários de preenchimento das guias tinham leiaute tão próximo quanto possível das guias em papel (o que facilitou muito a transição papel->computador);
  • O preenchimento de diversos campos era deduzido pelo programa sempre que possível;
  • As validações necessárias eram feitas campo-a-campo e não eram obstrusivas (nada de "preencha esse campo antes de passar para o próximo");
  • Era permitido salvar uma guia incompleta ou inválida e terminar ou corrigi-la mais tarde;
  • Era sugerido salvar uma guia como "modelo" e preencher novas guias a partir desse modelo;

Nada de mais, certo? Pois é. Mas com esses recursos "nada de mais", preencher guias no nosso software chegava a ser até 20 vezes mais rápido do que fazer isso no papel! Isso era muito, muito mais do que qualquer concorrente havia conseguido. Será que éramos gênios? Não, apenas focamos nos usuários.

Os interesses de quem paga

Focar nos usuários nos ajudou a compreender o que tornaria seu trabalho mais fácil e produtivo. Mas isso seria insignificante se os interesses de quem de fato pagaria pelo software não fossem atingidos. Como a facilidade de uso aumentava a produtividade, tivemos um excelente argumento de venda. Afinal, produtividade é economia de tempo e tempo, é dinheiro.

No mundo corporativo, os softwares adotados nem sempre são escolhidos com base no que os seus futuros usuários pensam sobre ele. Por isso, é preciso estar ciente de que o foco nos usuários é importante, mas deve ser feito de forma a atender aos interesses de quem paga.

Apaixonando os usuários

Outra coisa muito positiva que conseguimos por focar nos usuários, foi a propaganda gerada por eles, o popular boca-a-boca. Como seu trabalho se tornou muito mais fácil, por conta própria, eles recomendavam nosso software para seus conhecidos em outras empresas. Esses, por sua vez, recomendavam nosso software para seus gestores.

Você quer que seus usuários façam propaganda gratuita do seu software? Apaixone-os pelo seu software.

Mas as funcionalidades também são importantes!

Sim, claro, as funcionalidades são importantes. Mas existem as funcionalidades imprescindíveis e as dispensáveis. Partindo do princípio que você sempre vai atender as necessidades imprescindíveis dos seus usuários, valorize menos as funcionalidades que só servem para encher linguiça e foque em proporcionar aos seus usuários uma melhor experiência ao usar seu software.

O que achou desse artigo? Deixe seu comentário.

* ^ Destaquei nesse artigo apenas questões diretamente relacionadas a software, mas tenha em mente que aspectos comerciais e de marketing também estiveram envolvidos.

Para saber mais sobre User experience (Experiência do usuário) aplicada a Web, veja o livro The Elements of User Experience de Jesse James Garret ou veja o diagrama que deu origem ao livro.

7 comentários:

Herbert Ataide disse...

Participo ativamente no suporte aos usuários do software referido em seu artigo e afirmo que 99% dos clientes estão satisfeitos. É um software confiável, eficiente, eficaz, de fácil utilização, enfim, reúne todos os requisitos que um software precisa ter para ser um ótimo software. Os clientes estão cada vez mais satisfeitos à medida que utilizam e observam sua evolução a cada versão disponibilizada pela desenvolvedora.

Dirlei Dionísio disse...

Opa, ganhei o dia com esse feedback! Fico feliz pela continuidade do sucesso desse software, Herberth!

Obrigado pelo comentário! Um abraço.

Vinicius Santos disse...

Olá Dirlei,

Sempre acreditei que a opnião dos usuários finais são mais importantes que a do empresário.
Principalmente se o empresário não utiliza o software no dia-a-dia.

O empresário pesquisa, e compra um software para sua empresa, pensando, é claro, que o software irá
ajudar sua empresa.

Porém só ajudará se o software ajudar os usuários finais a serem mais produtivos,
afinal são eles( as pessoas ) que geram riqueza à uma empresa.

Outra coisa super interessante que você destacou, é fazer o básico, fazer o óbvio, isso faz a diferença!

O Eike Batista vive dizendo isto, sobre empreender 360º, pensando em tudo, mas nada é super-mega-hiper complexo,
é apenas o básico. Chega a ser impressionante como a grande maioria das empresas não faz nem o básico.

Novamente, como diz Eike Batista, no Brasil existem mega gargalos, quem se adiantar e tentar consertar isso,
pode se dar bem, muito bem...

E ele não está dizendo de construir bases na lua, está falando em apenas fazer o básico.

Isso é uma lição importante que aprendi.

Um grande abraço !!

Dirlei Dionísio disse...

Oi Vinícius,

Realmente, fazer apenas o básico - mas bem feito - resolveria muitos problemas. Achei legal você citar os comentários do Eike, também gosto das lições de empreendedorismo que ele ensina.

Thanks pelo comentário!

[]'s

André da Silva Severino disse...

Olá Dirlei a algum tempo acompanho seu blog, e tenho que lhe parabenizar pelos excelentes artigos.

Quando li esse artigo acabei pegando algumas similiaridades que tento seguir durantes os processos de desenvolvimento que faço.

Sou adepto ao fato de focar apenas nas funcionalidades do programa e deixar além de tudo um pouco agradavel a forma de se trabalhar, afinal de contas ninguém merece preencher formulário em uma tela cinza/branca hahahahahaha.

Acredito que seja alguns tópicos de XP também, focar nas funcionalidades.

Abraços e mais uma vez, parabéns. Até mais!!!

Dirlei Dionísio disse...

Muito obrigado, André! Legal que você tenha encontrado similaridades entre o artigo e o que você já procura fazer. Só acho que você trocou alguma palavra quando disse que é "adepto ao fato de focar apenas nas funcionalidades", acho que você quis dizer o contrário, certo?

Obrigado por acompanhar o blog e espero que você também goste dos próximos artigos.

Grande abraço!

André disse...

Isso ahhahaha